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Veículos Eletrificados: Desafios e Oportunidades para Condomínios e Edifícios na Transição Energética

Desafios e Oportunidades
Desafios e Oportunidades

Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) compõe uma agenda mundial adotada pela Cúpula das Nações Unidas da ONU que dispõe sobre o Desenvolvimento Sustentável e metas a serem atingidas até o ano 2030. Nesta agenda estão previstas ações em diversas áreas que devem ser aplicadas em espectro mundial. Destaca-se dentre tais ações, a ODS 07 que tem como propósito a promoção de energia limpa e sustentável, objetivando assegurar que todos tenham acesso a tais fontes de energia de uma forma confiável e proveniente de fontes renováveis. 

 

Diante do desejo em comum de um mundo globalizado que anseia pela mudança na matriz energética, sintonizado com os preceitos da ODS 07 e alinhado com a urgência em combater as mudanças climáticas, bem como garantir a redução da dependência dos combustíveis fosseis, a utilização de veículos elétricos aparece como uma promissora solução, representando uma mudança significativa, não só na forma como nos locomovemos, mas também na forma como interagimos e cuidamos do meio ambiente. O Brasil, com abundância em recursos naturais e uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, utilizando uma parcela significativa da sua energia através de fontes renováveis, preenche todos os requisitos para se tornar um dos líderes da transição energética global, devendo acompanhar de perto os demais países que se encontram na fronteira do conhecimento no setor energético. 

 

O mercado de carros elétricos representa no Brasil um segmento crescente e auspicioso, impulsionando o mercado automotivo, forçando-o a se adaptar não só aos fatores ambientais já mencionados, mas também as mais novas descobertas

tecnológicas no segmento. Embora ainda enfrente desafios significativos, como infraestrutura limitada de recarga nas estradas e rodovias, as perspectivas são ótimas, o que gera uma demanda cada vez maior, que por sua vez torna inevitável a mudança no paradigma de comercialização de automóveis. 

 

Os dados mercadológicos corroboram com isso. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), as vendas desses veículos têm aumentado significativamente, refletindo a evolução das políticas de sustentabilidade e avanços tecnológicos que reduzem os custos de baterias e aumentam a autonomia dos veículos.  

 

Conforme dados da própria ABVE, em 2022 foram registrados 49.245 emplacamentos de veículos elétricos/híbridos. Por sua vez, em 2023 foram registrados 93.927 emplacamentos, 91% de aumento com relação ao ano anterior. Já em 2024 os números são ainda maiores, registrando um aumento de 145% que equivalem a 30.090 emplacamentos frente a 14.786 dos primeiros três meses de 2023. 

 

Em publicação da revista AutoEsporte, o líder de vendas em território nacional no primeiro trimestre de 2024 é o BYD Dolphin, com 5.334 vendas, dando destaque também para a sua versão mini, que com apenas dois meses à venda já conta com 2.494 registros. Dentre os veículos híbridos, o líder de venda também é da montadora chinesa BYD, com o SUV Song Plus. O veículo já conta neste ano com 4.869 unidades vendidas, seguido pelo Toyota Corolla Cross e pelo GWM Haval H6. 

 

Na somatória dos três primeiros meses de 2024, as cinco montadoras que mais

registraram emplacamento de veículos eletrificados foram: 

 

1. BYD - 14.939 veículos; 

2. GWM - 5.735 veículos; 

3. Toyota - 5.049 veículos; 

4. Caoa Chery- 2.127 veículos; 

5. Volvo - 1.606 veículos. 

 

 

O “boom” dos carros eletrificados no mercado nacional já está amplamente difundido. Em matéria publicada no portal do jornal Estadão no dia 26/04/2024, a fabricante chinesa BYD, líder em fabricação de carros elétricos no país e no mundo, vendeu 963 veículos em apenas 24 horas, tendo o melhor dia de vendas na história desde que a montadora adentrou no mercado nacional, tornando-se ainda a primeira montadora do mundo a alcançar a produção de 7 milhões de veículos totalmente elétricos e híbridos. 

 

Diante do sucesso de um segmento relativamente novo e altamente promissor que promete tomar para si o mercado automobilístico num futuro próximo, surge uma urgência evidente perante o consumidor: adaptar-se.  

 

Nesse sentido, em específico, a necessidade de adaptação das nossas residências para atender as demandas relacionadas ao carregamento dos veículos elétricos. 

 

A implementação de pontos de recarga em nossas residências, a priori parece simples, porém, com uma análise mais técnica no âmbito dos condomínios verticais tendo como paradigma o direito de vizinhança, a utilização de novas tecnologias pode trazer dúvidas e desgastes entre os condôminos, o que precisa ser levado em consideração antes de adquirir seu veículo elétrico ou comprar seu imóvel, seja ele na planta ou já edificado. 

 

Aprofundando em questões legislativas sob a ótica do direito condominial, a Lei Federal número 4.591 de 1964 à qual dispõe sobre diversos aspectos relacionados à administração de condomínios, incluindo questões concernentes a estruturação e segurança, deve ser observada quando da tomada de decisão para a instalação dos pontos de recarga, pois é de conhecimento geral que eles demandam alterações tanto da infraestrutura elétrica quanto da infraestrutura física do empreendimento. O dispositivo legal fornece diretrizes para o processo geral de implementação de modificações em copropriedade, garantindo que sejam realizadas de forma adequada e em conformidade com as regras impostas pelo condomínio. Contudo, vale ressaltar que perante o surgimento de novas tecnologias que à época da publicação da norma não poderiam ser contempladas, o legislador deve, sob um prisma contemporâneo, buscar adequar o códex legal para que a Lei não se torne obsoleta. 

 

A Lei já garante que mudanças estruturais ou elétricas sejam aprovadas em assembleia, garantindo que todos os moradores do condomínio tenham poder de

tomada de decisão quanto às implementações, inclusive dispondo sobre o rateio dos custos. A norma pode determinar como serão distribuídos os gastos relacionados à instalação e manutenção das tomadas de carregamento, levando em conta aspectos como o uso individualizado da benfeitoria. 

 

Apesar das diretrizes estabelecidas pela Lei Federal 4.591/64, é essencial reconhecer que existem áreas cinzentas que demandam interpretação. Em tais situações, onde a Lei se mostra lacunosa, outras fontes do direito podem e devem se manifestar para resolução do caso concreto. Assim, em situações às quais a Lei do condomínio se mostra insuficiente, o judiciário promove a resolução. 

 

Um exemplo concreto trata-se de litígio entre um condomínio e um de seus moradores que procedeu a instalação não autorizada de um ponto de recarga na garagem do seu edifício (processo nº 1018652-78.2019.8.26.0100). 

 

O morador trouxe nos autos a Lei Municipal 17.336/20 que torna obrigatória a instalação de tomadas para carregamento de veículos nos condomínios da capital paulista e alegou em sua defesa que a instalação do equipamento ocorreu seguindo todas as normas técnicas e de segurança. Alegou ainda que utilizou o padrão de energia da própria unidade autônoma para a instalação. 

 

No que pese as alegações do morador, o demandado foi condenado a remover a tomada de carregamento em até 30 dias, uma vez que conforme instrumento de convenção de condomínio, as vagas de garagem do empreendimento são de uso comum dos condôminos, não havendo determinação de qual unidade autônoma tem poder sobre ela, impossibilitando que o morador exerça direito sob a vaga à qual a tomada foi instalada. In verbis: 

 

“De acordo com a convenção do condomínio, as vagas de garagem são indeterminadas e integram área comum (item III-1.7 a fls. 31). Significa dizer que o réu não tem direito de propriedade exclusiva sobre a vaga de garagem em que instalou a tomada.  As vagas são indeterminadas e comuns, portanto, submetidas a uso coletivo e rotativo, mediante sorteio (fls. 210). Então, o réu não podia alterar área comum, menos ainda sem deliberação e autorização da assembleia de condôminos, como se pudesse impor sua vontade, de forma unilateral (art. 1.335, II do Código Civil). A vaga circunstancialmente atribuída por sorteio ao réu é comum, cabendo sua fruição a todos os condôminos, indistintamente. Se, eventualmente, houvesse atraso em submeter o assunto à deliberação da assembleia, cabia observância da regra do art. 1.350, § 1º do Código Civil. Por fim, a observância de requisitos técnicos e de segurança não autoriza a violação da lei civil e da convenção do condomínio. Julgo a ação procedente para condenar o réu a desfazer a instalação elétrica em questão no prazo de trinta dias, pena de multa diária de R$ 500,00 até o limite de R$ 20.000,00. Custas, despesas e honorários advocatícios de R$ 2.000,00 serão pagos pelo réu.” (grifo nosso).

 

A 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a

decisão de primeiro grau. 

 

A adaptação das regras de condomínio será mais um dos desafios a serem vencidos para a perfeita sintonia entre a nova tecnologia e a convivência pacífica dos condôminos. Outro ponto importante sobre o tema, é a integração de pontos de recarga para veículos no âmbito do processo de incorporação imobiliária. O novo panorama requer uma adaptação e reavaliação dos tradicionais modelos de planejamento urbano.  

 

Para o consumidor que deseja adquirir um imóvel na planta por meio do processo de incorporação e para os incorporadores que desejam alienar as unidades, a mudança do paradigma traz a necessidade de uma nova e necessária formatação no procedimento, principalmente quanto à delimitação de uso das áreas comuns e quanto a elaboração do sistema elétrico do empreendimento, que normalmente é realizado posteriormente à expedição do alvará de construção. Tais mudanças deverão alterar e viabilizar nos projetos, a estrutura necessária para adequação das tomadas para carros elétricos. 

   

Para os empreendedores que desejam modernizar os edifícios, adequando-os à nova tecnologia, são fatores de destaque que devem ser observados quando da instalação dos pontos de recarga: 

  

  • Análise de disponibilidade de potência;  

  • Realização e execução do projeto elétrico;  

  • Adequação civil e elétrica, se houver;  

  • Instalação dos carregadores.  

  

Para a execução dos projetos para pontos de recarga de VEs (veículos elétricos) nos empreendimentos, a aplicação das normas técnicas de segurança é imprescindível. A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) publicou a NBR 17.019/2022, que trata das instalações elétricas de baixa tensão e dos requisitos para instalação em locais especiais. O texto técnico foi elaborado pelo Comitê Brasileiro de Eletricidade (ABNT/CB-003). Os incorporadores devem recrutar profissionais técnicos especializados que tenham expertise e sigam os padrões especificados na normativa, quando da edificação de um empreendimento, reduzindo assim o risco complicações futuras. 

 

Quanto aos condôminos, por se tratar de área comum dentre eles, a energia elétrica da garagem faz parte das despesas ordinárias do condomínio e, por consequência, a instalação de sistemas diretos de carregamento, que usam tecnologia inteligente, fazendo com que o custo da energia utilizada seja distribuído apenas entre os usuários que possuam carro eletrificado é a mais adequada para diminuir significativamente possíveis lides entre os moradores.  

  

Neste caso, quando os carregadores são ligados na tomada geral do condomínio, o rateio é automatizado e o valor referente ao consumo real é destinado ao seu respectivo usuário. Em condomínios mais modernos, já é possível ligar o carregador direto no relógio do proprietário, facilitando assim a questão de anuência por meio de assembleia uma vez que o uso e individualizado por unidade imobiliária.

  

O Estado de São Paulo foi pioneiro através da Lei Municipal 17.336 de 2020, que dispõe sobre a obrigatoriedade da previsão de solução para carregamento de veículos elétricos em edifícios (condomínios) residenciais e comerciais, dando ainda outras providências sobre a temática. Certamente com o aumento vertiginoso dos veículos eletrificados no país, tal dispositivo normativo ganhará repercussão nacional, extrapolando a esfera municipal e estadual, alcançando em breve a seara federal. 

  

Todavia, a obrigatoriedade imposta pela Lei Municipal não contempla prédios residenciais e comerciais com obras em andamento ou prontos, o que não impede a instalação da tecnologia em condomínios com condições sistêmicas e financeiras suficientes.  

  

Quanto à infraestrutura dos empreendimentos, é importante frisar que o carregamento de poucos veículos não corresponde a nenhum risco ao sistema elétrico do condomínio, porém, com a crescente na aquisição, um número mais elevado de automóveis pode causar um “distúrbio na força”, caso o sistema de energia do empreendimento seja obsoleto. Para isso é de suma importância um projeto estruturado. 

  

Para maior segurança e devido à complexidade da instalação/manutenção dos pontos de recarga, é necessário que o condomínio receba acompanhamento e manutenção periódica de empresas especializadas. Tanto o condomínio quanto a empresa contratada para a prestação de serviços precisarão definir pontos chave tais como:  

  

  • Número máximo de veículos em carregamento simultâneo;  

  • Carga máxima de cada carregador;  

  • Necessidades de redimensionamento do projeto elétrico em casos com demanda muito alta por veículos elétricos;  

  • Necessidade de instalação de medidores da Companhia de Energia local

  • diretamente conectados às tomadas de cada vaga.  

 

O número de variáveis necessárias à implementação de pontos de recarga, não se limita às mencionadas acima, devendo serem analisadas sob um aspecto econômico e de disponibilidade de cada condomínio. Toda e qualquer decisão desse tipo precisa ser objeto de deliberação assemblear, ainda mais quando representa despesas para os moradores.  

  

Ainda que o condomínio tenha condições financeiras para instalar tomadas para carros elétricos, mas não deseje arcar com tais despesas, o condômino não pode fazer a instalação individual sem autorização. A assembleia condominial é que possui legitimidade para deliberar sobre a instalação (ou não), qual o modelo e quantos pontos serão instalados, bem como definir os horários de uso.  

 

No caso de a assembleia condominial não aprovar a instalação dos pontos de recarga, caberá ao interessado a utilização dos carregadores portáteis, de menor capacidade, que normalmente acompanham os veículos de fábrica. Ou seja, não é possível instalar ao bel prazer, pontos de carregamento para carros elétricos dentro do condomínio. Caso seja do interesse dos condôminos diligenciar sobre a aquisição e instalação do produto, algumas etapas são importantes de serem observadas: 

 

1. Pesquisa e Avaliação Inicial

 

  • Realizar uma pesquisa entre os condôminos para determinar o interesse

dos moradores na instalação de tomadas para carros elétricos no condomínio.

  • Avaliar a demanda potencial de usuários e quantos moradores desejam adquirir veículos elétricos. 

 

2. Estudo Técnico

 

  • Contratação de serviços de engenharia elétrica para avaliação da capacidade da infraestrutura existente no condomínio, com a determinação da viabilidade da instalação da aparelhagem. 

  • Certificação de que o sistema elétrico do condomínio não irá sobrecarregar quando da utilização dos aparelhos. 

 

3. Alteração da Convenção de Condomínio 

 

  • Consulta e análise da convenção de condomínio do empreendimento para verificar se há proibições ou restrições em relação à instalação. 

  • Caso necessário, propor as devidas alterações à convenção para permitir da instalação dos instrumentos de carregamento dos veículos.  

 

4. Projeto e Orçamento

 

  • Juntamente de um responsável técnico, desenvolver um projeto para instalação dos dispositivos de carregamento, definindo-os em número, localização e especificações técnicas. 

  • Diligenciar orçamentos de empresas especializadas para melhor adequação à realidade econômica do condomínio. 

 

5. Assembleia de Condôminos

 

  • Convocar a assembleia de condôminos para discutir a proposta de instalação do equipamento. 

  • Apresentar na assembleia o projeto elaborado, os orçamentos e os benefícios para o condomínio, como por exemplo a valorização do imóvel e a sustentabilidade que será promovida. 

 

6. Votação

 

  • Apresentar a matéria à votação do quórum competente para dirimi-la. Geralmente a aprovação requer uma maioria simples dos condôminos presentes ou uma maioria qualificada, dependendo do que estiver estabelecido na convenção de condomínio. Se a convenção for omissa nesse sentido, aplica-se a regra da maioria simples.

 

7. Contratação e Instalação

 

  • Após a aprovação, proceder com a contratação da empresa escolhida e a devida instalação dos pontos de carregamento, de acordo com o projeto aprovado. 

 

8. Manutenção e Regulamentação

 

  • Para conservação e melhor utilização da aparelhagem, a implementação de regras e regulamentos para uso das tomadas de carregamento, de acordo com a realidade fática de cada condomínio é essencial.

  • Importante certificar que as tomadas estejam bem mantidas e funcionando adequadamente, inclusive para evitar danos ao próprio veículo. 

 

Apesar de ser ainda um tema pouco debatido no âmbito do direito condominial, a instalação de pontos de carregamento para carros eletrificados em condomínios verticais requer minucioso planejamento, análise técnica e deliberação dos demais condôminos, sendo que, cumpridas tais etapas, a implementação dos equipamentos será extremamente importante, tanto para promover a sustentabilidade e valoração do imóvel quanto para manter os moradores atualizados com as tecnologias que dominarão o mundo em um futuro breve.  

 

Tudo isso com o mais importante: segurança patrimonial e jurídica para todos os envolvidos com os custos devidamente individualizados entre as unidades, sustentabilidade e economia financeira.

 

Autores:

Bernardo Freitas Graciano

CEO da UrbBrasil S/A, bacharel em direito com mais de 20 (vinte) anos de experiência focado em práticas notariais, registrais e fundiárias. Ex tabelião substituto, Presidente da Comissão de Reurb da AMADI – Associação Mineira dos Advogados Imobiliários, Presidente da Comissão de Reurb do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, Presidente da Associação Brasileira de Empresas de REURB, ministrando inúmeros cursos e palestras no Brasil sobre Regularização

Fundiária Urbana e Rural, integrante da comissão de elaboração do projeto de REURB do Programa do Governo Federal - Casa Verde e Amarela. Com profunda experiência na operacionalização de projetos e regularizações fundiárias urbanas e rurais em todo o Brasil.


Elias Augusto Moura Santos Inscrito na OAB/MG sob o nº 200.812, Bacharel em Direito e Pós Graduado em Direito Civil Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com experiência em processos extrajudiciais, fundiários, notariais e registrais. Advogado e Analista Jurídico pela UrbBrasil S/A.

 

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